sexta-feira, 13 de julho de 2012

"Não se faça o que eu quero, mas sim o que Tu queres"


"Não se faça o que eu quero, mas sim o que tu queres".
A rica variação entre os relatos dos Santos Evangelistas é, sobretudo, evidente quanto aos textos sobre a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. O Evangelho de São Mateus, por exemplo, ao descrever a agonia de Cristo no Horto de Getsêmani, é o único a mencionar três súplicas distintas - embora essencialmente idênticas -, feitas por Nosso Senhor.
"Adiantou-se um pouco e, prostrando-se com a face por terra, assim rezou: ‘Meu Pai, se é possível, afasta de mim este cálice! Todavia não se faça o que eu quero, mas sim o que tu queres'" (Mt 26, 39). Depois de interromper sua oração para admoestar e chamar à oração os discípulos que se encontravam dormindo, "afastou-se pela segunda vez e orou, dizendo: ‘Meu Pai, se não é possível que este cálice passe sem que eu o beba, faça-se a tua vontade!'" (Mt 26, 42). A seguir, ao achar seus três companheiros novamente dormindo, "deixou-os e foi orar pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras" (Mt 26, 44).
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No Batismo, as virtudes infusas são proporcionadas
às potências humanas para aperfeiçoar 
a natureza
Dos outros evangelistas, somente São Lucas alude a esse episódio, mas faz referência a uma única súplica, embora acrescentando o comovente detalhe do suor de sangue, tão profuso que escorreu pela terra (cf. Lc 22, 44). Dada a forçosa brevidade observada pelos evangelistas, qualquer repetição pareceria convidar o leitor a uma atenção toda especial. São João Crisóstomo chega a afirmar ser sempre uma demonstração especialíssima da verdade, uma tríplice repetição na linguagem dos Evangelhos.14 Que admirável lição quis o Divino Espírito Santo nos dar ao inspirar São Mateus a sublinhar essa tríplice renúncia de Jesus à sua própria vontade bem como a aceitação incondicional da vontade do Pai?
Com as palavras, "Não se faça o que eu quero, mas sim o que tu queres", ou então, nas palavras transmitidas por São Lucas: "Não se faça, todavia, a minha vontade, mas sim a tua" (Lc 22, 42), o Salvador manifesta uma atitude constante durante sua vida. Assim, lemos: "Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e cumprir a sua obra. (Jo 4, 34); "Não busco a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou" (Jo 5, 30); "Pois desci do Céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou" (Jo 6, 38). O oferecimento no Monte das Oliveiras, então, não é senão uma culminação desta submissão contínua.
Em Cristo há duas vontades
Assegura ainda São Tomás ser preciso afirmar que, tendo o Filho de Deus assumido uma natureza humana perfeita, e pertencendo a vontade à perfeição desta, Ele assumiu também uma vontade humana. Contudo, ao assumir nossa natureza, não sofreu Ele nenhuma diminuição quanto à sua natureza divina, à qual compete ter vontade. "Por isso, é necessário dizer que em Cristo há duas vontades, uma divina e outra humana".15
Deste modo, ao pronunciar as palavras "a minha vontade", Jesus podia, com toda a propriedade, falar de sua vontade divina. Não obstante, Nosso Senhor falava da sua vontade humana, como fica claro pelo contexto, pois Ele "não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens" (Fl 2, 6-7).
Assim, servindo-se de sua natureza humana, sendo do nosso próprio gênero, Jesus se fez um Modelo para nós, para sermos mais prontamente movidos a segui-Lo. Se Ele - enquanto Deus igual ao Pai, e enquanto homem completamente sem culpa -, livre e amorosamente, submeteu sua vontade humana à vontade do Pai, fica impossível duvidar da necessidade de a humanidade fazer o mesmo.
Mas como adequar nossas pobres vontades com a d'Aquele que declara: "Assim como os céus se elevam acima da terra, elevam-se os meus caminhos sobre os vossos" (Is 55, 9)? Sobretudo depois da contaminação do pecado original, pois só temos a possibilidade de agir estavelmente segundo a Lei de Deus com auxílio da graça. De igual maneira, só pela influência de uma virtude especial somos capacitados a conformar as nossas vontades à do Pai, a exemplo de Jesus, movidos por amor sobrenatural.
Caridade e santo abandono ao beneplácito divino
No Batismo, junto com a graça santificante, as virtudes infusas são proporcionadas às potências humanas para aperfeiçoar a natureza. Entre essas virtudes, a caridade corresponde à vontade, e a leva ao ato sobrenatural de amor a Deus. Conforme São João da Cruz, este é o mais alto grau de união transformante: "quando as duas vontades, a da alma e a de Deus, de tal modo se unem e conformam que nada há em uma que contrarie a outra. Assim, quando a alma tirar de si, totalmente, o que repugna e não se identifica à vontade divina, será transformada em Deus por amor".16
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A submissão da vontade humana à
vontade divina foi uma constante
na vida de Nosso Senhor


"Oração no Horto", por Fra Angélico
  Museu de São Marcos, Florença
Desse modo, mesmo na submissão necessária à chamada vontade significada de Deus, abrangendo os preceitos expressos estabelecidos por Ele, é a caridade que nos move a renunciar ao proibido e a obedecer aos decretos divinos, de modo ideal. No entanto, na conformidade à vontade de beneplácito de Deus brilha uma generosidade e amor ainda maiores, pois a prática da lei é algo mensurável e sempre claro, mas o santo abandono ao beneplácito divino exige uma flexibilidade e confiança sem medida, porque por meio dele adere-se, por amor, ao que nem se conhece ou entende plenamente ainda; adere-se, enfim, a todo o plano de Deus a nosso respeito, simplesmente porque Ele quer, apesar da aversão espontânea que nossa natureza sensitiva possa apresentar.17
"Venha a nós o vosso Reino"
As palavras de Nosso Senhor no Horto das Oliveiras refletem o mais perfeito modelo desta disposição de alma, conforme ensina Santo Agostinho, referindo-se ao Corpo Místico de Cristo: "Esta expressão da cabeça é a salvação do corpo inteiro; esta expressão instrui todos os fiéis, anima os confessores e coroa os mártires, porque, quem poderia vencer os ódios do mundo, o ímpeto das tentações e os terrores da perseguição, se Jesus Cristo não tivesse dito a seu Pai, em todos e por todos: ‘Seja feita vossa vontade'? Aprendam esta voz todos os filhos da Igreja, para que, quando venha a dureza da adversidade, vencido o temor e o espanto, suportem com resignação qualquer tipo de sofrimento".18
Existe, então, uma solução para o problema da vontade humana, tão embaraçada pela desordem da natureza decaída com a qual nascemos e pelo mundo imerso em pecado onde habitamos, fazendo surgir a esperança da vida eterna. Pois, segundo as palavras consoladoras de São João Evangelista, "o mundo passa com as suas concupiscências, mas quem cumpre a vontade de Deus permanece eternamente" (I Jo 2, 17).
Para estimular-nos mais ainda, o Divino Mestre afirmou ter um laço de união tão forte como o de família com quem segue esse caminho: "Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe" (Mt 12, 50). Assim, foi Ele mesmo Quem nos ensinou a preparar, ainda nesta Terra, as condições para se estabelecer o Reino de Deus, o qual não é senão uma conformidade de todas as vontades à vontade divina, tornando este mundo semelhante ao Céu: "Venha a nós o vosso Reino; seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu" (Mt 6, 10).

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